Estão querendo usar o Direito Penal para coibir o coaching. Esta proposta fez e faz muito mais barulho do que a pretensão, já relativamente antiga, de regulamentar a profissão. Claro, crime dá ibope né…Veja neste link o que diz a página do Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/23/criminalizacao-ou-regulamentacao-do-coaching-esta-em-discussao-no-senado.

O assunto foi tema de uma abordagem interessante na imprensa: https://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/carreiras/2019/06/1988149-coaching-e-crime-entenda-o-que-esta-por-tras-desse-debate.shtml.

Vou apontar neste texto, de forma breve o objetiva, dois pontos de vista, que eu vivo na pele: sou advogado criminalista e professor de ciências criminais há mais de quinze anos. Também sou coach certificado há mais de dez anos, com pós-graduação em coaching e PNL, e minha especialidade é trabalhar com carreira jurídica.

Começo dizendo que o Eric Schmidt, ex-presidente da Google, quando indagado sobre qual seria um conselho, disse: “ter um coach”.

Mas vamos falar do mundo do crime. Na teoria, o Direito Penal é o último recurso legislativo chamado a pacificar problemas sociais. Sua regência principiológica, resumindo, é a ultima ratio, a intervenção mínima, a fragmentariedade. Ou seja, só se usa tal expediente quando nada mais deu certo, direito civil, administrativo, trabalhista.

O problema é que alguns “coaches” (com aspas mesmo), prometem resultados que evidentemente não podem cumprir, por uma simples razão: o coaching (no caso, o sério), depende tanto do profissional QUANTO do cliente. Fazendo as contas, dos dois.

Coaching com promessa de resultados, portanto, é fria mesmo. Aliás, como ocorre com advogados picaretas que falam que “garantem o resultado”, que é “causa ganha”, sendo que não podem fazê-lo, uma vez que simplesmente não julgam. Claro, nós, advogados não podemos garantir, porque só requeremos.

Mas vamos pensar em exemplos de “coaches vilões”. Se o “coach” promete cura, seja “quântica” ou não, sua conduta pode ser tipificada como charlatanismo, cf. art. 283 do Código Penal. Se usurpa a função de médico, dentista ou farmacêutico, declarando exercer uma dessas profissões, pode ser enquadrado no art. 282 do mesmo CP. Não pode, a propósito, responder pela contravenção de exercício irregular da profissão, prevista no art. 47 da LCP, porque ali fala de profissão prevista em “lei”; o princípio da legalidade não permite a subsunção, portanto.

Ocorre que o coaching conversa fiada já pode, a depender do dolo e do nível da falcatrua, ser sim enquadrado no estelionato, famoso art. 171 do CP. Aliás, no estelionato é conhecida a discussão sobre a torpeza bilateral. No coaching, em caso de profissional ruim de serviço e cliente pangaré, também pode se verificar a famigerada fraqueza bilateral. Ou seja, não precisamos de mais crimes, porque já há uma possível tipificação penal para eventual “golpe do coach que traz seu sucesso em três dias”. Me lembro de quando fazia pós em penal, no longínquo 2003, quando o professor questionava a aplicabilidade de novas teorias: ora, muitos dos problemas que o Funcionalismo busca resolver, já não seriam resolvidos pelo Finalismo? E olha que os cérebros que idealizaram o Funcionalismo (Jacobs e Roxin) são muito mais profícuos do que os de alguns crédulos e desavisados que caem no conto do milagre do sucesso rápido com coaching e usam seu poder de mimimi para se tornarem “vítimas de crimes”, buscando a “fórmula mágica do Direito Penal” para debelar o mal do coaching do seio social. Fórmula mágica que, aliás, Alberto Silva Franco já ironizava, por motivos óbvios, em sua icônica obra Crimes Hediondos.

Claro que há uma banalização do coaching, até em função do vácuo legislativo. Tem até curso online de final de semana. Dá nisso. A propósito, vale conferir o sarro do Greg News, aqui: (https://www.youtube.com/watch?v=M7KDXyKFU-E). Tá, é um pouco carente de melhores informações, mas é engraçado.

Por tudo isso, o melhor caminho mesmo seria a regulamentação. Até porque daí, se alguém quiser exercer o coaching mequetrefe, em especial sem formação, pode responder, salvo melhor juízo, pela contravenção do art. 47 da LCP, caso não se configure o crime mais grave – no caso o estelionato.

Resumindo o coaching sério: o processo ajuda o cliente a tomar consciência de si mesmo e do entorno, especialmente através de perguntas, para que as reflexões sejam dele, e não do profissional. E através desta consciência ampliada, são ajustadas tarefas, ou atitudes, as quais por sua vez geram resultados, porque o cliente assume sua parcela de responsabilidade e age. Sim, claro que sempre haverá fatores externos que não são passíveis de mudança, restando a possibilidade de mudar apenas nossa postura frente aos mesmos. E o coach sério sabe disso, e por isso maneja bem uma das técnicas, que aborda justamente as interfaces entre a “zona de interesse” e a “zona de influência”, concêntricas.

Se quiser saber um pouco mais sobre a técnica e a prática do coaching, compartilho um pouco das minhas experiências aqui, em artigo e vídeo: https://heroisdodireito.com.br/o-que-e-coaching-juridico/. Também abordei a falta de regulamentação e a diferença entre o coaching e as terapias quando o assunto apareceu em uma novela, aqui: https://fabalcarraro.jusbrasil.com.br/artigos/544948852/o-direito-o-coaching-e-a-novela.

Quer saber de verdade se coaching funciona? Procure um profissional sério, tenha atitude, e depois exerça a gratidão pelos resultados. Não, ele não será seu vilão. Ao final, você vai perceber que ele foi seu herói.

Fabricio Almeida Carraro – Coach e mentor de carreira jurídica. Advogado.

Publicado em www.heroisdodireito.com.br

Author

Fabricio Almeida Carraro - Coach Jurídico (Formação em Coaching, Master Practicioner em PNL e Pós-graduação em PNL e Coaching) e Advogado formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)

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