Dois amigos advogados se encontram no fórum. O diálogo inicial ao se cumprimentarem já virou clichê em nossos dias. Quase se pode usar uma gravação:

“E aí, na correria?”

“Correndo, e você?”

Essas expressões substituíram o “tudo bem?”!!! Socorro, o ambiente forense se tornou uma grande maratona!

Sim, um dos problemas mais comuns relatados pelos advogados de nossa era é a falta de tempo.

Aliás, me assusta ouvir advogados dizerem que não tiram férias há anos. Como assim “não”?!?!?!?!? E quando “afiam o machado” então????

Mas…até que ponto realmente é sobre falta de tempo, e não sobre falta de gestão do tempo?

Invista (“invista” mesmo, e não “gaste”) alguns minutos para ler este texto. Esperamos que ele seja útil, e se assim for, ele pode lhe render muitas horas depois.

Todos temos dias de vinte e quatro horas. A questão é o quanto de atividades e ocupações lançamos em cada dia, e isso sim varia de pessoa para pessoa.

Para alguns, tempo é dinheiro. Para outros, tempo é vida. E para você? Como você administra seu tempo? Você tem um tempo para você ou só para as demandas do escritório, dos clientes, dos sócios e associados, dos estagiários, dos outros?

O que apresentamos aqui são algumas dicas práticas, resultantes de nossos estudos e da nossa atuação em Coaching Jurídico.

Mas antes de falar das dicas, é interessante refletir um pouco sobre o tempo. Ou sobre o espaço-tempo, na visão da física atual. Talvez seja este o fenômeno a ser compreendido para se resolver o grande enigma da existência do Universo…

Há quanto tempo o tempo existe, se é que existe objetivamente? E antes de começar a transcorrer, quanto tempo havia passado? (!)

Ao refletir filosófica e cientificamente sobre o tempo, adentramos paradoxos aparentemente insolúveis pela mente racional…

Também é interessante lembrar os dois conceitos de tempo segundo os gregos, Cronos e Kairós.

Edna Rodrigues Ferreira diz, em interessante artigo publicado no administradores.com.br:

 

“Cronos e Kairos são termos gregos para designar o tempo. Cronos é o tempo medido pelo relógio, calendário, rotina. É o tempo determinado dentro de um limite. Kairos significa o momento certo, oportuno. Refere-se a um aspecto qualitativo do tempo.

(…)

Nosso dia-a-dia é marcado por esses dois tempos, enquanto cronos quantifica, kairos qualifica. Isso significa que podemos viver o tempo burocrático, medido por cronogramas, horas, prazos determinados, com qualidade, valorizando e qualificando o instante, o momento vivido. Porque cairos é a ação que muda o sentido interior das nossas atividades diárias. Uma vez que não podemos fugir do cronos, podemos dar atenção a pequenos detalhes do nosso dia-a-dia que tornarão nossa vida mais plena e feliz.” (http://www.administradores.com.br/artigos/negocios/tempo-cronos-e-tempo-kairos/31257/)

Esta ideia é importante para refletirmos sobre a realidade de não controlar o tempo, mas ao mesmo tempo sobre aquilo que é possível fazer, e como fazer, no tempo.

Feita esta introdução, vamos às dicas. Afinal, o tempo é precioso!

 

1 – Perceba o tempo

Pode parecer estranho, óbvio e até ridículo dizer isso, mas o primeiro passo é sim perceber o tempo. Ao longo dos anos atendendo em Coaching e notando como os advogados e as pessoas em geral gerem o tempo, chegamos à conclusão de que muita gente não o gerencia de forma eficaz porque simplesmente não percebe seu transcurso.

É aquela situação comum: “nossa, já são X horas??? Nem vi o tempo passar!”. Você já vivenciou isso ou viu alguém vivenciar? Provavelmente muitos responderão afirmativamente.

A propósito, sabe-se em PNL que as pessoas percebem a linha do tempo de maneira diferente umas das outras.

Então, em primeiro lugar, deve-se estar atento ao tempo. Relógios e calendários são feitos para serem usados. Claro, sem ser xiita, em especial em dias de descanso e nas férias, onde o tempo Cronos possivelmente não será tão exigente.

Pode-se dizer, nessa linha de ideias, que a gestão do tempo em nosso século XXI, segundo a coach Thaíza Vitória, se confunde em grande parte com a gestão da atenção.

E lembre-se: a percepção do tempo é questão de treino, portanto uma habilidade. Treine esta habilidade, para melhorá-la, durante um período, como um dia ou uma semana e anote seus resultados.

 

2 – Utilize as medidas de tempo

Ao perceber o tempo, podemos começar a medir quanto tempo despendemos com cada uma das atividades de cada hora, do dia, da semana, do mês, do ano e até de um processo judicial ou administrativo inteiro, os quais muitas vezes transcendem um ano.

Existem atos judiciais que dependem da mensuração mesmo de minutos, como por exemplo alegações finais em audiência, debates no tribunal do júri ou sustentações orais. No caso do último exemplo, mesmo advogados mais experimentados às vezes não conseguem concluir seu raciocínio e expor todos os pontos no tempo regimental de quinze minutos dos tribunais, justamente devido à falta ou deficiência na habilidade de mensurar o tempo…

Mensurando o tempo, podemos começar, se for o caso, a repensar acerca de quantas horas dedicamos ao estudo de um processo, aos atendimentos a clientes, a audiências, a reuniões, atividades burocráticas e etc.

Com os dados catalogados, preferencialmente por escrito, teremos uma visão mais abrangente. E como administração em regra depende em grande parte de dados mensuráveis, trata-se de um grande passo para uma gestão eficiente do tempo.

 

3 – Mapeie o uso do tempo

Após mensurar, podemos fazer uma espécie de média ou tabela para cada período, fazendo, por exemplo, as seguintes perguntas:

Quanto tempo é usado para atendimentos por semana?

Quantas horas são dedicadas a cada processo?

Quanto tempo é destinado a audiências em um mês?

Quanto tempo se passa em viagens de trabalho?

Quanto tempo é investido em pesquisa doutrinária e jurisprudencial?

Quanto tempo é utilizado despachando com sócios, associados e estagiários?

Quanto tempo se passa aguardando atendimentos ou atos judiciais?

Quanto tempo costuma durar uma reunião do escritório? Quanto deste tempo foi produtivo?

Quanto tempo é investido em notícias e atualizações?

São apenas algumas das perguntas possíveis, dentre tantas outras, conforme a realidade de cada profissional ou escritório.

Rodrigo Bertozzi, referência em gestão de escritórios, propõe uma interessante forma de gerir o tempo no escritório, veja neste link.

Então, vale a pena mapear quantos minutos, horas, dias, semanas, meses, anos dedicamos a cada uma das tantas atividades da advocacia. Isso não só permite uma mais justa precificação dos nossos honorários, mas também uma melhor busca pela excelência nos trabalhos, pois podemos tomar melhores decisões sobre o uso do tempo quando de posse desses dados.

 

4 – Defina prioridades de uso do tempo conforme seus valores

A teoria dos valores é uma temática muito cara aos estudos do Coaching e da PNL. Resumimos o conteúdo no texto e no vídeo “Motivação, metas e foco no mundo do Direito” (aqui).

A grande pergunta é: estamos dedicando tempo àquilo que é realmente importante para nossa carreira jurídica, para nosso escritório, e principalmente para nossa vida?

E, simples, mas importante: temos a habilidade de dizer “não” quando é o caso de dizer?

Christian Barbosa, uma das maiores autoridades no assunto, definiu a tríade do tempo, separando entre importante, urgente e circunstancial:

“A esfera Importante refere-se a todas as atividades que você faz e que têm importância em sua vida – aquelas que trazem resultado a curto, médio ou longo prazo. (…)A esfera da Urgência tem todas as atividades na qual o tempo está curto ou acabou. São as atividades que chegam em cima da hora, que não podem ser previstas, mas que geralmente causam estresse.(…) A esfera Circunstancial, por sua vez, cobre as tarefas desnecessárias. São os gastos de tempo de forma inútil, tarefas feitas por comodidade ou por serem  socialmente apropriadas.” (BARBOSA, Christian. A tríade do tempo. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. Pág. 44)

Nessa conjuntura, a dica é começar a dedicar mais tempo ao que é importante, controlando as esferas do urgente e do circunstancial. O ideal, segundo o autor, é conferir à esfera da importância uns 70% do nosso tempo.

 

5 – Abandone o hábito de tentar ser multitarefa

É um mito (mito no mau sentido) para a quase totalidade das pessoas a possibilidade de fazer mais de uma coisa em um único momento.

Os que afirmam isso são a coach Thaíza Vitória e o psicólogo Daniel Goleman. Na verdade, a ideia de que estamos ao mesmo tempo elaborando uma petição, conferindo e-mails, fazendo ligações e checando as redes sociais nos levam a perder tempo. E o tempo é desperdiçado justamente no intervalo que o cérebro toma para “pular” de uma tarefa para outra.

Então, a diretriz é destinar um tempo e fazer uma coisa de cada vez, mantendo o foco. Especialistas recomendam inclusive destinar períodos específicos do dia para e-mails e redes sociais. As últimas são consideradas hodiernamente os maiores ladrões de foco – e consequentemente de tempo.

Faça o teste, seja multitarefa em um dia e mantenha-se focado em uma ação de cada vez no dia seguinte. Se você consegue ser multitarefa, você é uma exceção. Se você não consegue, concentre-se em uma coisa de cada vez, e sua produtividade – e por conseguinte o uso do tempo – será bem maior.

 

6 – Organize seu tempo

Organizar é sobre planejar. No caso da advocacia, há muitas “gavetas” diferentes para organizar o tempo: um ato como memoriais orais ou a fala no tribunal do júri, por exemplo, deve ser organizado por tópicos dentro do tempo legalmente destinado, separado em minutos.

Já um processo deve ser organizado não somente pelos atos previstos no iter procedimental, como peças e audiências. Também deve ser levada em conta a duração aproximada do próprio processo – ainda que invariavelmente haja imprevistos com testemunhas, incidentes, perícias, recursos, impugnações e etc.

Os prazos têm sua forma especial de regência conforme a área, podendo transcorrer em dias úteis ou corridos. Também dentro da contagem dos prazos é importante ter em mente que imprevistos podem acontecer, e aquela atividade importante, o cumprimento do prazo em si, pode se tornar urgente quando se deixa para o último dia (senão para a última hora, literalmente…) solicitar um documento, realizar uma pesquisa ou fazer a derradeira correção da peça.

Além os exemplos acima, é importante organizar, através do planejamento, um dia, uma semana, um mês, um trimestre, um ano, pois cada um desses períodos costuma ter suas características de rotinas e ciclos.

Não há receita de bolo. A organização depende da realidade de cada profissional e de cada escritório ou departamento jurídico. Então, a depender da percepção da própria idiossincrasia e da própria realidade é que se deve elaborar a organização, de forma customizada.

 

7 – Viva o presente

O passado não existe, e nem o futuro. Do passado, enquanto causa, só nos restam as consequências. E como diz a música da Legião, “se você parar pra pensar, na verdade não há” amanhã.

Por isso o presente se chama presente: é uma dádiva, um intervalo no qual somos livres para pensar, sentir e fazer o que quisermos. Claro, pode ser refletir sobre o passado, para aprender com as experiências, ou pensar sobre o futuro com o fim de elaborar metas, estratégias e planos. Mas aí dever ser algo consciente, deliberado: “vou pensar no passado” ou “vou pensar no futuro”, no agora.

O autor de  “O poder do agora”, Eckart Tole, afirma que “… viver no agora é o melhor caminho para a felicidade e a iluminação”.

Se pararmos para analisar, é muito comum estarmos pensando no trabalho nos momentos de descanso, ou pensando em descansar nos momentos de trabalho. O resultado é que, por não estar no aqui e agora, nesses momentos em que nossa mente divaga, não estamos nem em uma coisa nem em outra.

Viver o instante é um treino, para toda uma vida. Como se diz em inglês, durante um lifetime, o tempo de uma vida, o qual é o único que sabemos com certeza de que dispomos – a despeito de não termos como saber sua duração, por não sabermos quando será seu fim.

Deixamos aqui uma dica de filme bem interessante sobre viver o instante: “Poder além da vida”. Em especial a cena da ponte e algumas cenas de treino. Também deixamos a dica de um documentário brasileiro bem rico e intelectualmente denso sobre o tema: “Quanto tempo o tempo tem”.

Pois bem, colocando em prática estas sete dicas, a recompensa normalmente é ter tempo sobrando, e viver mais intensamente o tempo. Tempo para trabalhar melhor, sempre buscando a excelência profissional. E, claro, especialmente tempo para viver melhor.

E, por fim, viva a vida. Como diz a canção de Cazuza, o tempo não para. E, por enquanto, também não volta.

Cuide do seu tempo. E muito Kairós pra você!

 

Referências bibliográficas

BARBOSA, Christian. A tríade do tempo. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.

 

Author

Fabricio Almeida Carraro - Coach Jurídico (Formação em Coaching, Master Practicioner em PNL e Pós-graduação em PNL e Coaching) e Advogado formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)

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