O jogo mental na advocacia

Como podemos vencer ou “pontuar” melhor na profissão?

Acabaram as Olimpíadas 2020(21) em Tóquio, nas quais mais do que nunca se falou do “jogo mental”. Talvez até devido às condições mentais complexas e inéditas às quais os participantes estiveram submetidos, dado as peculiaridades do momento global.[1] Aliás, não só eles…

Também acabou nesta sexta a FENALAW, maior evento jurídico da América Latina, da qual tive a oportunidade de participar, e que proporcionou muitos insights sobre a advocacia e o Direito no século XXI.

Em meio a isso, resolvi dar uma olhada no livro “O jogo interior do tênis”, de Timothy Galley, clássico que comprei há algum tempo mesmo sem nunca ter entrado numa quadra de tênis, porque é considerado inspiração do coaching, em especial o executivo (em sua vertente séria e técnica), conforme aponta a obra pioneira de John Whitmore.

Peguei o livro porque comecei a refletir… e o jogo mental na advocacia?

Diz o livro de Gallwey em sua introdução: “Todo jogo é composto por duas partes, a exterior e a interior. O jogo exterior tem um adversário externo, obstáculos externos e um objetivo externo. (…) não se pode obter sucesso ou satisfação na prática de um jogo se não se dedicar atenção às usualmente negligenciadas habilidades do Jogo Interior. Esse é o jogo que acontece na mente do jogador e tem como obstáculos a falta de concentração, o nervosismo, a insegurança e a autocondenação. Em resumo, é um desafio contra os hábitos da mente que inibem a excelência de performance.”

Muitos advogados atualmente desistem da profissão ou vivem abaixo do nível que gostariam, em vários aspectos. Reclamam da concorrência, dos obstáculos do Judiciário, do aviltamento dos honorários, da falta de clientes, do estresse, da falta de tempo, do excesso de trabalho, etc.

Então, surge a reflexão: até que ponto os óbices externos podem ser contornados por capacitação interna?

Nos jogos olímpicos, quem acompanhou pôde perceber que em vários momentos o “jogo mental” fez a diferença, até porque no plano técnico de cada esporte a paridade era notória –houve competições nas quais frações de segundos definiram o lugar no pódio, ou a presença/ausência nele. Ou seja, parte técnica bem emparelhada.

Traçando um paralelo, na FENALAW, vi muitas oportunidades, ideias, realidades, pontos de vista, perspectivas, novas áreas e possibilidades que nunca havia imaginado e que com certeza irão repercutir na minha prática jurídica e na de colegas que lá estiveram. Muito do que vi vai além da parte técnico-jurídica, inclusive com temas tratando do jogo mental. Pois bem, é fato: a maioria do pessoal do Direito se prende à parte técnica quase exclusivamente.

E o que uma coisa tem a ver com a outra?

A advocacia é um jogo. Não no sentido lúdico, mas no sentido de uma disputa entre razões divergentes apresentadas no processo. No plano do processo penal, Alexandre Morais da Rosa explora com maestria esta questão. Ou, saindo do contencioso, seria ainda assim um jogo a se vencer pensando em um conflito virtual ou potencial, no âmbito da advocacia preventiva.

Nossa profissão também é metaforicamente um jogo no grande tabuleiro que é o mercado; afinal, a advocacia, profissão liberal, é ou deve ser encarada como um empreendimento. Não se desconhece a desigualdade inerente às oportunidades, em especial em um país como o Brasil, em termos de discrepâncias sociais. Descontado este aspecto importantíssimo, voltam-se os olhares para o indivíduo jogador. E o bom jogador – seja no processo, seja na consultoria – normalmente faz repercutir, com seus resultados alcançados nas atuações jurídicas, o sucesso no jogo do mercado.

Tais resultados vão depender do jogo exterior E do jogo mental.

E, diante deste cenário, o que fazer afinal? Ou seja, e na prática?

Claro, buscar sempre o esmero na técnica propriamente dita, nos “fundamentos do esporte” como chute, drible, passe, em exemplos do futebol, enquanto metáforas para nossos institutos do cotidiano. No Direito, o jogo compreende escrita, oratória, raciocínio lógico e jurídico, etc. Compreende ainda manejar os fundamentos próprios de cada área, os institutos propriamente ditos: crime impossível, teoria do crime, RESE, ANPP, tráfico privilegiado, instrução, flagrante, remição, para citar exemplos da área criminal. Ou hora extra, recurso de revista, DSR, OJ, insalubridade, férias, salário, como exemplos dos colegas trabalhistas. Enfim, aspectos básicos do jogo exterior.

Mas, não somente. Temos que buscar a excelência no jogo mental. Assim, deixo aqui a reflexão para os colegas da advocacia: o que está faltando ou pode melhorar no jogo mental para que cada um de nós possa vencer ou “pontuar” melhor na advocacia? Vejamos alguns exemplos do nosso “universo interior”. A dica é fazer um rápido checklist (rol exemplificativo): foco, concentração, segurança em si mesmo, autoconfiança, percepção do tempo, equilíbrio emocional, espírito de equipe (se for o caso), resiliência.

Ninguém sabe o que acontece nesse universo, a não ser cada um de nós. Estamos sozinhos nessa “inquirição”. O que estou pensando? O que estou sentindo? O que estou percebendo? Como estão meus diálogos internos? O que quero (e posso) mudar? E se eu comunicasse algo fruto desta análise pessoal ao mundo exterior, haveria alguém disposto a ajudar, como profissional, apoiador, coach, treinador, amigo, mentor, professor, familiar, terapeuta?

Importante observação: se nesta autoanálise surgem potenciais questões inerentes à saúde mental, é importante procurar, o quanto antes, profissional legalmente habilitado, conforme o caso.

John Whitmore nos ensina que “A eliminação de obstáculos internos com frequência reduz os obstáculos externos a proporções administráveis”. Vale a pena refletir sobre esta frase. Poucas palavras podendo levar a muitas autoanálises.

Por fim, fiquemos com uma citação trazida já no final do livro de Gallwey, quando diz que “As pessoas que terão mais sucesso em nossa era são as que o filósofo Kliping descreve como ‘aquelas que conseguem manter a cabeça enquanto todos os outros a estão perdendo’.”

Parece mais atual em 2021 do que quando foi escrito, em 1974.

E você? Como está seu jogo mental? Comenta ou manda mensagem pra gente!

Fabricio Almeida Carraro

Treinador jurídico e advogado


[1] https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/2021/08/09/na-pandemia-espirito-olimpico-foi-posto-a-prova-na-edicao-mais-mental-dos-jogos

Author

Fabricio Almeida Carraro - Coach Jurídico (Formação em Coaching, Master Practicioner em PNL e Pós-graduação em PNL e Coaching) e Advogado formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)